Meu bairro, minha vida!

Instituto Caminhabilidade
8 min readJun 2, 2021

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Como a pandemia deu visibilidade à importância de bairros mais diversos, em que todas as pessoas morem próximas a serviços e equipamentos para garantir qualidade de vida e saúde

por Leticia Sabino, Fernanda Pitombo e Bruna Sato — com colaboração de Bibiana Tini e Douglas Farias

Sair de casa a pé, poder sentar em uma praça ou fazer um pouco de exercício, depois passar no mercado para comprar comida e voltar em segurança para casa, são privilégios de uma parcela pequena da população paulistana — e que se repete nas demais cidades brasileiras. Essa desigualdade de acesso na cidade ficou mais acentuada na pandemia: de um lado pessoas que puderam trabalhar remotamente ou ir de forma ativa para o trabalho sem percorrer distâncias absurdas, resolver os serviços básicos no bairro e ainda ter acesso a verde e ao ar livre com distanciamento; e por outro, pessoas que pegaram transportes públicos lotados todos os dias, não tiveram como se isolar em casa e menos ainda, acesso a espaços para esporte e lazer de forma segura e próxima. Essa assimetria consequente de “onde mora” refletiu na disparidade da mortalidade pela COVID-19 e de acesso a direitos básicos.

É possível que políticas de criação de bairros mais diversos criem cidades em que a maior parte das pessoas vivam no cenário privilegiado?

A cidade compacta ou “cidade de 15 minutos”

A adoção de modelos de desenvolvimento de cidades compactas, onde os moradores e moradoras possam acessar comércio, serviços e emprego a distâncias curtas, a pé ou de bicicleta, faz parte de um modelo de cidade defendido, há algum tempo, sob a perspectiva da sustentabilidade e da qualidade de vida.

Devido a situação de isolamento forçado nas grandes cidades pela pandemia da COVID-19, esse modelo ganhou os holofotes, com novos significados e termos. O mais popular, “cidade de 15 minutos”, se destacou, principalmente, por ser parte da estratégia de desenvolvimento urbano de Paris, acelerada durante a pandemia. O conceito, criado pelo professor da Universidade de Sorbonne, Carlos Moreno, propõe que se redesenhe áreas urbanas aproximando habitantes de serviços básicos e transformando as ruas em espaços predominantemente para as pessoas. Para isso, define como meta que as pessoas alcancem o que precisam no seu dia a dia em até 15 minutos de caminhada ou bicicleta.

Pesquisa de 2019 sobre acessos em até 15 minutos caminhando em São Paulo, evidenciou que essa não é a realidade da cidade, onde somente 11% dos moradores da cidade estão a 15 minutos a pé do trabalho, 30% de parques e praças, 34% de serviços médicos, 54% de comércio e serviços e apenas 8% de equipamentos culturais (“Viver em São Paulo: Pedestre”, 2019, Rede Nossa São Paulo e IBOPE). Esses indicadores são resultados de planejamento urbano que concentra serviços e empregos em poucas regiões e promoveu segregação socioespacial desfavorável ao desenvolvimento pleno de todos os bairros e pessoas na cidade, e faz com que grande parte da população enfrente longos deslocamentos motorizados todos os dias.

A tendência e demanda para mudar essa realidade e impulsionar bairros mais diversos e auto suficientes ficou evidente por meio da pesquisa que realizamos na pandemia sobre usos, sentimentos e desejos com relação aos espaços públicos da cidade — intitulada Acesso aos Espaços Públicos na Pandemia. Apresentaremos alguns dados que nos trouxeram essa visão a seguir.

Celebrando o comércio de bairro

No contexto da pandemia muitas pessoas passaram a comprar mais coisas próximas a suas casas. Em São Paulo, 12% afirmaram que estão utilizando mais o comércio local do bairro e mais outros 30% pretendem manter essa prática após a pandemia. Além disso, 54% das pessoas afirmaram que adotarão o hábito de caminhar mais pelo próprio bairro no pós pandemia, evitando longas distâncias.

Relações de vizinhança fortalecidas

Deslocamentos no bairro fortalecem relações de vizinhança. Além disso, ações coletivas para enfrentar a escassez e ausência da atuação pública ampliaram o senso de comunidade. Segundo a pesquisa, cerca de 52% das pessoas refletiram sobre a importância de conhecer a vizinhança e vizinhas/os, durante a pandemia, e 19% disseram ter conhecido seus vizinhos nesse período, enquanto 27% se aproximaram daqueles que já conheciam. Para depois a pandemia, 30% afirmaram que pretendem participar de redes de apoio no seus bairros.

Comércios e fachadas na pandemia. Foto: Bibiana Tini

Se deslocar menos e de forma ativa

O desejo de substituir deslocamentos motorizados por caminhada e bicicleta é uma resposta para evitar aglomerações e se manter saudável. Na pesquisa, 44% afirmaram que irão evitar o transporte público após a pandemia e, destas, 80% preferem se deslocar por modos ativos, ou seja, trajetos mais curtos, saudáveis e com interação com o entorno, o que reforça o desejo da população por acesso à cidade.

Respostas e ações em São Paulo

Durante a pandemia em São Paulo, surgiram movimentos como “Compre do bairro” e “Compre do Pequeno Negócio” para estimular o comércio local. Iniciativas comunitárias promoveram melhorias imediatas a partir das relações e conexões de vizinhança, como a “Rede Brasilândia Solidária”, que articulou agentes de saúde, educação, cultura e assistência social, promovendo ações solidárias; e o “Movimento Boa Praça” que manteve atividades de cuidado coletivo a hortas em praças públicas, ganhando adesão de novos vizinhos. Tais iniciativas escancaram a falta de incentivo e apoio do estado para ações de saúde, educação, cultura e cuidado dos espaços públicos.

Para impulsionar ações de estímulo aos deslocamentos ativos, promovemos junto a várias organizações a mobilização para ações emergenciais para a mobilidade ativa na pandemia, e implementamos a ampliação de calçada, na ladeira porto geral. A disparada na venda de bicicletas na cidade, com aumento de 66% em 2020 (Associação Brasileira do Setor de Bicicletas), também mostra ação das pessoas. Entretanto, para se alcançar cidades em que os bairros promovam melhor qualidade de vida e diminuam as desigualdades sociais não bastam ações da cidadania e são necessárias políticas públicas.

Intervenção de urbanismo tático realizada pelo SampaPé! que ampliou a área para caminhar na Ladeira Porto Geral. Foto: Leticia Sabino

Futuros possíveis para criar bairros compactos e diversos

Políticas urbanas definidas pelo Plano Diretor preveem a promoção de bairros mais diversos e equipados a médio e longo prazo, como o incentivo ao uso misto em um mesmo espaço. Prédios residenciais com comércio no térreo e as zonas de habitação social em bairros mais bem servidos são exemplos simples desse uso misto. Mas também são necessárias estratégias rápidas e integradas que gerem resultado mais imediato e dêem o pontapé para o desenvolvimento de políticas públicas centradas no bem estar e saúde de todas as pessoas que vivem nas cidades.

As ruas, por serem o espaço com maior abundância nas cidades e menos estruturas fixas, se mostram uma das melhores possibilidades para responder a essas questões com agilidade. Como exemplo mais emblemático é possível apontar a Paulista Aberta e as Ruas Abertas que de forma rápida, simples e barata criava semanalmente grandes áreas de lazer. Esse tipo de ação amplia o acesso e a proximidade a áreas de lazer nos bairros, e por isso, diversas cidades passaram a adotá-las como estratégia durante a pandemia — como Oakland nos Estados Unidos e a criação da W3 Sul de Comércio e Lazer em Brasília. Ruas também são bons espaços de promoção de venda ao ar livre, como as feiras livres. Equipamentos públicos são potenciais espaços para usos mais diversos: as áreas de quadras e recreação das escolas, por exemplo, podem ficar abertas em períodos ociosos e aos finais de semana para uso livre da comunidade, servindo como uma praça local.

Essas ações não são novidade para a gestão da cidade, em outros contextos e motivações já foram implementadas e por isso, contam com conhecimento e experiência acumulada, o que garante rápida implementação. Falta decisão política para executá-las.

A cidadania já passou a entender que qualidade de vida depende das oportunidades e acessos na escala do bairro e não apenas da qualidade da casa, depende do âmbito público e partilhado, e não do privado. Cabe aos governos e governantes enfrentarem a pandemia com seriedade por meio de políticas públicas que construam cidades mais justas e resilientes, centrada em criar bairros equipados e diversos para todas as pessoas!

Bibliografia

Campanha: Ruas para mobilidade ativa durante a pandemia. Disponível em: http://www.ruasativaspandemia.bonde.org/. Acesso em: 28 de abril de 2021

CIDADES CAMINHÁVEIS. Ruas para pessoas na pandemia — Entrevista com Ilka Teodoro. Entrevistadora: Leticia Sabino, 2020. Podcast. Disponível em: https://open.spotify.com/episode/0DYPGsVOOnkK8JddPkgD0N. Acesso em 23 de abril de 2021.

Compre do bairro: desafios e oportunidades para o pequeno varejo. Site Sebrae. Disponível em: https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/galeriavideo/compre-do-bairro-desafios-e-oportunidades-para-o-pequeno-varejo,68d992a3054f1710VgnVCM1000004c00210aRCRD. Acesso em: 20 de abril de 2021.

Compre no seu bairro. UOL Economia. Disponível em: https://economia.uol.com.br/conteudopublicitario/compredopequenonegocio. Acesso em 20 de abril de 2021.

COSTA, Ana Laura; FARIAS, Douglas; PITOMBO, Fernanda; SABINO, Leticia; SATO, Bruna; TINI, Bibiana; UCHÔA, Louise. Relatório da Pesquisa; Acesso aos espaços públicos na pandemia — etapa 1. 2020. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/16I_7SKfF-ZP2lqNX1kQXh6Pq6y3f6uC2/view. Acesso em 20 de abril de 2021.

COSTA, Ana Laura; FARIAS, Douglas; PITOMBO, Fernanda; SABINO, Leticia; SATO, Bruna; TINI, Bibiana; UCHÔA, Louise. Relatório Relatório da Pesquisa; Acesso aos espaços públicos na pandemia — etapa 2. 2020. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1JOxp7m7bvfzDimG2x-N9ovgtUJkUrt0d/view. Acesso em 20 de abril de 2021.

MORENO, Carlos. Palestra TED Talks, Outubro, 2020. Disponível em: https://www.ted.com/talks/carlos_moreno_the_15_minute_city?language=pt-br. Acesso em: 20 de abril, 2021.

Movimento boa praça. Página de facebook. Disponível em: https://www.facebook.com/movimentoboapraca . Acesso em 30 de abril de 2021.

Organizações se juntam para pressionar autoridades para que o espaço das ruas seja destinado para mobilidade ativa durante a pandemia. Site IAB, 2020. Disponível em: https://www.iabsp.org.br/?noticias=organizacoes-se-juntam-para-pressionar-autoridades-para-que-o-espaco-das-ruas-seja-destinado-para-mobilidade-ativa-durante-a-pandemia#:~:text=A%20campanha%20intitulada%20%E2%80%9CRuas%20para,ativos%2C%20de%20forma%20integrada.%E2%80%9D. Acesso em: 22 de abril de 2021.

Rede brasilândia solidária. Página de facebook. Disponível em: https://www.facebook.com/brasilandiasolidaria/. Acesso em 30 de abril de 2021.

Ruas para Mobilidade Ativa na Pandemia: urbanismo tático para ampliar a área de caminhada na Ladeira Porto Geral. Site Medium Sampapé, 2020. Disponível em: https://sampape.medium.com/ruas-para-mobilidade-ativa-na-pandemia-urbanismo-t%C3%A1tico-para-ampliar-a-%C3%A1rea-de-caminhada-na-6dadddebaed4 . Acesso em 15 de abril de 2021.

SABINO, Leticia. Melhorar a caminhabilidade garante oportunidades e acesso a serviços. Carta Capital, 2019. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/sampape/melhorar-a-caminhabilidade-garante-oportunidades-e-acesso-a-servicos/. Acesso em: 22 de março, 2021.

SABINO, Leticia; UCHÔA, Louise. Restrições da pandemia aceleram transformações na mobilidade urbana. Carta Capital, 2020. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/sampape/restricoes-da-pandemia-aceleram-transformacoes-na-mobilidade-urbana/?fbclid=IwAR09b5-qxjCF7BY2VVjmWxAgpEBKKnEdX58oRgILadaie2Q3_2R7ymTYljs. Acesso em 22 de abril de 2021.

Urbanismo Tático Ladeira Porto Geral — Ruas para Mobilidade Ativa na Pandemia. Produção: Sampapé!, Aromeiazero, CET-SP, SMT. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JJe87SAjb7k . Acesso em: 22 de abril de 2021.

VIEIRA, Bárbara. Capital paulista tem aumento de 66% nas vendas de bicicletas em 2020, diz associação. Site G1 SP, 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/03/28/capital-paulista-tem-aumento-de-66percent-nas-vendas-de-bicicletas-em-2020-diz-associacao.ghtml. Acesso em 15 de abril de 2021.

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