40% dos estabelecimentos de alimentação na avenida paulista abriram depois da Paulista Aberta

Instituto Caminhabilidade
8 min readMar 12, 2020

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O “Paulista Aberta Lab”, criado pela organização SampaPé!, estreou em janeiro, analisando a relação das fachadas com o programa que abre a avenida para as pessoas semanalmente

Novos estabelecimentos de alimentação na avenida com balcão de venda direto para as calçadas, com filas aos domingos. Foto: SampaPé! — tirada em campo durante a pesquisa.

Neste ano, 2020, a Paulista Aberta — programa que abre o espaço viário para usufruto das pessoas todos os domingos e feriados, por meio de bloqueio de acesso motorizado — completa 5 anos. Com meia década de existência, além de ser consagradamente um dos grandes acontecimentos aos domingos na cidade, é possível que tenha alterado as dinâmicas urbanas e as estruturas na avenida.

Pensando nisso, a ONG SampaPé! iniciou neste ano um laboratório urbano para estudar e observar especificamente as mudanças e atividades na avenida: o Paulista Aberta Lab. No mês de janeiro, um grupo de pessoas participou de oficinas ministradas pela organização para co-realizar a avaliação se as fachadas no nível da rua se alteraram nos últimos anos por influência da avenida de lazer e também como se dá o uso das fachadas durante o programa.

Fachadas e Paulista Aberta

As fachadas foram escolhidas como o tema de estréia do laboratório pois é a estrutura urbana de interface entre o espaço privado e o espaço público. Assim, são alteradas a partir de ação dos privados mas de acordo com o uso do espaço da rua, compondo assim o que se chama “esfera pública”. São as fachadas também que podem ter alterações que duram para além do tempo do programa e que nos dão pistas sobre os efeitos na economia e consumo, assim como, a diversidade do público que frequenta.

O processo de observação e análise

Para observar como as fachadas poderiam ter se alterado ou como são ocupadas aos domingos o grupo olhou para teorias urbanas sobre fachadas e a partir do conhecimento sobre a avenida criou algumas hipóteses de mudanças. Entre elas, destacam-se as hipóteses de que abriu-se mais estabelecimentos de alimentação na avenida e que os mesmos implementaram balcões de venda direta para as calçadas e, também, que as fachadas de locais fechados aos domingos (que estão inativas) são “ativadas” por atrações culturais e venda de produtos por ambulantes durante a Paulista Aberta. Com as hipóteses criadas definiu-se o método para averiguar e observar suas confirmações.

Foi realizado, então, um levantamento com visita à avenida no domingo — dia 26 de janeiro. O grupo caminhou toda a via fazendo registros por foto, medindo fachadas e anotando sobre os acontecimentos e usos. Com esse levantamento em mãos, outros grandes aliados foram os mapas e imagens por satélite disponíveis online que ajudaram a avaliar o “antes e depois” das fachadas e usos, assim como, medir o tamanho dos lotes. A constatação das hipóteses mais importantes foram divididas em “materiais” — o que se alterou de forma estrutural — e “imateriais” — usos efêmeros aos domingos — , destacadas a seguir.

Caminhar e comer, comer e caminhar

Na avenida paulista há 43 estabelecimentos de alimentação nas fachadas no nível da rua que estão abertos aos domingos, 18 deles (40%) não existiam antes da Paulista Aberta. Aproximadamente ⅓, ou precisamente 13 estabelecimentos, tem balcão na fachada para realizar vendas diretamente nas calçadas. Além disso, há dois locais que as fachadas são compostas com barraquinhas de alimentação: o Market Paulista e a Alameda Rio Claro — que também se tornaram pontos importantes para comer aos domingos — e propiciam a presença de vendedores que não podem assumir custos fixos tão elevados.

Nesse sentido, o aumento dos locais de alimentação na avenida, abertos aos domingos e principalmente com balcões é um reflexo do espaço das ruas como destino. Esse novo uso da avenida como lazer e a vontade de estar nas ruas é um dos fatores importantes que estão moldando essas alterações de usos e suporte das fachadas na via.

O tipo de estabelecimento de alimentação com maior presença, em número, nas fachadas da avenida são os cafés (com 11 estabelecimentos), seguido de fast food (7 estabelecimentos) e lanchonetes (6 estabelecimentos). Nos balcões, o produto principal vendido é sorvete (7 estabelecimentos), seguido de pastel (4 estabelecimentos). O valor para adquirir um sorvete nos balcões existentes varia de R$1,50 a R$13,90, para aproximadamente a mesma quantidade do produto, sendo o menor valor de redes de fast-food e o maior de marcas gourmet. Ambas alternativas tem lojas em diversas alturas da avenida e filas para comprar. A presença do comércio com diversidade de preço e “marca” pode servir como termômetro da diversidade de público. A constatação da oferta do mesmo produto com distinto acesso econômico, mostra, por consequência, a diversidade de perfis socioeconômicos pessoas frequentam a avenida aos domingos.

Tamanho não é documento

As menores fachadas na avenida são do Mr. Cheney, pequena loja-balcão de cookies com apenas 1 metro de extensão, e de uma das unidades do Pastel da Maria com aproximadamente 2,4 metros de extensão, sendo metade balcão voltado para a calçada. Ambos estabelecimentos vieram após a Paulista Aberta — ou seja, depois de agosto de 2015. A diminuição das fachadas está atrelada a adaptação dos estabelecimentos ao fluxo a pé, com o estreitamento da interface com a calçada, aumenta a possibilidade de diversidade e a atratividade em caminhar. Assim como, só é possível ter lojas tão pequenas em ruas onde há intenso fluxo de pessoas a pé.

A menor fachada da Paulista. Foto: SampaPé! — tirada em campo durante a pesquisa.

Usos efêmeros: fachadas “ativadas”

A Avenida Paulista possui 4.537 metros lineares de fachadas em toda sua extensão, das quais aproximadamente metade (52%) é “inativa” aos domingos. Ou seja, 2,3 quilômetros da via são fachadas de locais fechados, murados ou bloqueados, tais como, grades de edifícios residenciais, muros de edifícios comerciais, acessos a estacionamentos fechados e até mesmo portões de galerias comerciais. Essa situação gera oportunidade para que o espaço seja ressignificado e ocupado de forma temporária por artesãos, artistas e vendedores ambulantes. Dessa forma, foi possível identificar que 55% das fachadas “inativas” são “ativadas” de forma efêmera — quase 1.300 metros — durante a Paulista Aberta.

Fachadas que são “inativas” ganham novos usos e significados na Paulista Aberta, como grades com camisetas expostas. Foto: SampaPé! — tirada em campo durante a pesquisa.

Ativação das fachadas

Identificamos quatro tipos de ativação das fachadas: 1) por uso espontâneo das pessoas que frequentam, como crianças brincando e pessoas sentadas; 2) como “palco”, com apresentações de artistas de rua; 3) como ampliação de comércio de alimentação existente, com mesas na calçada; e 4) como espaço expositivos e de venda temporária, com ambulantes dos mais variados produtos.

No primeiro tipo de ativação, observou-se o uso de diversas escadarias de acesso a prédios e muretas; no segundo, a maior parte são portões metálicos de estabelecimentos fechados. No caso de bares e cafés com mesas na calçada, observou-se que a maioria já tem essa prática durante a semana, porém, aos domingos ampliam a área ocupada, podendo aumentar a clientela, utilizando espaços em frente aos acessos inativos de lojas e edifícios comerciais.

Uso de espaços fechados aos domingos com mesas nas calçadas. Foto: SampaPé! — tirada em campo durante a pesquisa.

A exposição de produtos e artes dos comerciantes ambulantes se adapta aos suportes disponíveis. Notou-se, por exemplo, que muretas e escadas são boas para expor quadros; gradil para pendurar cabides e roupas; bem como, portões metálicos servem de suporte para exibir posters e imãs. Um dos casos curiosos sobre a organicidade e adaptabilidade da exposição de produtos de forma temporária, foi observada no uso de andaimes de obras de um prédio em reforma como cabideiro para venda de roupas.

Andaimes como cabides para roupas vendidas na Paulista Aberta. Foto: SampaPé! — tirada em campo durante a pesquisa.

Esse olhar para os usos temporários colaboram com a reflexão de que ter espaços “inativos” e livres oferecem oportunidade para usos espontâneos, o que promove maior flexibilidade e diversidade, e ajuda entender as demandas de cada tempo. Assim como a o espaço viário da avenida paulista se transforma em uma “folha em branco” aos domingos para ser “colorida” pelas pessoas, o mesmo acontece com as fachadas sem uso definido na via. Dessa forma, se reflete sobre a importância de manter fachadas em lugares com muita vitalidade livres para esse uso espontâneo e flexível.

Nem tudo são flores

O levantamento também observou alterações negativas, potencializadas pela abertura da via para as pessoas com frequência. Uma das mudanças constatadas foi a inserção de materiais nas fachadas que hostilizam a relação entre espaço público e privado. Esse registro teve como foco o bloqueio de espaços de fruição, ou seja, espaços privados que costumam ter acesso ou uso público. Um dos casos mais emblemáticos e evidentes desta hostilidade dos domingos foi observada na escadaria do prédio da Gazeta. O local, que é considerado um dos poucos lugares para se sentar na avenida ao longo da semana, tem o acesso restrito durante a Paulista Aberta por meio da instalação de gradis temporários.

Escadaria da Gazeta com acesso bloqueado aos domingos. Foto: tirada em campo durante a pesquisa.

Outros lugares chegaram a instalar portões metálicos para bloquear a passagem, e alguns contratam pessoas para fazer a segurança patrimonial e de acesso. Analisar essas reações remetem a reflexões sobre os medos gerados pela presença massiva de pessoas nas ruas — talvez pela memória e idéia de outras ocasiões com grandes eventos e manifestações. Ficando, assim, evidente que, apesar de 5 anos de programa, essa nova convivência nos espaços públicos de forma constante e para usos diversos está ainda em construção, e que algumas fachadas ainda atuam para a expulsão e negação ao invés de contribuir para uma esfera de convite e integração.

Próximos passos

As informações e reflexões ajudam a compreender a complexidade do espaço e das novas dinâmicas urbanas de forma profunda e não definitiva, assim como, levantaram ainda mais questionamentos. O laboratório irá continuar explorando outras camadas de análise nos próximos meses para ir somando a esse entendimento de como a abertura de uma avenida tão frequentada e simbólica impacta nos usos e relações naquele espaço, nas pessoas e na cidade.

Sobre o Paulista Aberta Lab

O Paulista Aberta Lab é um laboratório urbano dedicado a estudar e entender as dinâmicas urbanas provocadas pelo acontecimento da Paulista Aberta. Criado pelo SampaPé!, e com diversos parceiros temáticos o laboratório pretende aprofundar e qualificar as análises e observações das interações urbanas a partir dos usos e ressignificações dos espaços públicos.

Sobre o SampaPé!

O SampaPé! é uma organização sem fins lucrativos (ONG) fundada em 2012 que tem como objetivo construir cidades mais caminháveis com as pessoas. Trabalha nas frentes de promoção da cultura do caminhar e humanização as cidades. Para isso, realiza projetos e metodologias para engajar e capacitar cidadãos e decisores da cidade. Também promove ações político-cidadãs, de comunicação, mapeamento, urbanismo tático, legibilidade, entre outras. Foram os idealizadores e mobilizadores da Paulista Aberta, promovem passeios a pé e processos participativos.

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